Publicações

A responsabilidade médica em estabelecimento de saúde do SNS

24 June 2025

Artigo por Maria Nascimento, Vasco Carrola Santos

A responsabilidade médica em estabelecimento de saúde do SNS

"O problema dos danos sem culpados" 

Em 27 de março de 2025, o Supremo Tribunal Administrativo proferiu o Acórdão n.º 5/2025, que, em suma, concluiu que numa ação de responsabilidade civil por atos médicos praticados em unidade do SNS, “incumbe ao autor alegar e provar os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual: facto, ilicitude, culpa, dano e nexo causal”.

O Supremo Tribunal Administrativo reforça que em ação de responsabilidade civil por atos médicos, praticados em unidade do SNS, e de acordo com o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, incumbe ao lesado alegar e provar os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, sustentando que, em sede de erro médico, a ilicitude resulta da inobservância das leges artis, aferidas segundo o estado da ciência médica ao tempo dos atos praticados, constituindo a obrigação médica uma obrigação de meios e não de resultado.

Os atos médicos praticados no âmbito do SNS inserem-se na prossecução de prerrogativa constitucional do direito à proteção da saúde, plasmada no artigo 64.º da Constituição da Républica Portuguesa, obedecendo às disposições e princípios de direito administrativo, ao contrário da medicina privada, cujo regime jurídico aplicável é, necessariamente, o da responsabilidade contratual.

Neste âmbito, com enorme relevância para o preenchimento dos aludidos pressupostos, surge a teoria relativa às obrigações de meios e não de resultados, configurando o standard pelo qual se averigua a ilicitude e a culpa resultantes de ato médico. No domínio da saúde, a obrigação estadual centra-se em colocar à disposição dos cidadãos meios igualitários de acesso a cuidados de saúde e não uma garantia de que esta será integralmente protegida ou restaurada. O direito à saúde trata-se, somente, de uma garantia de que a todos serão prestados, com a prontidão adequada, os atos médicos diligentes, prudentes e concordantes com as leges artis, isto é, com os mandamentos atualizados da ciência médica, que o Supremo Tribunal Administrativo bem definiu.

Fruto daquilo que é o sentido inerente à função médica, “Só haverá lugar a indemnização se for demonstrado que não adotou os meios exigidos ao profissional diligente” (vd. Acórdão do STA, proferido a 20.01.2011, no processo n.º 744/05.6TBBRG.G1.S1).

Acresce que, similarmente ao que acontece no Direito Civil, a obrigação do Estado em indemnizar implica a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito (por ação ou omissão), culpa, dano e nexo causal. O acórdão afasta da equação, como tem vindo a ser o entendimento dominante, a modalidade de responsabilidade objetiva ou pelo risco, na medida em que, atualmente, na área médica, apenas terá aplicação nos casos legalmente consagrados (vd. artigo 483.º, n.º 2 do Código Civil). Dito de outra forma, o ato médico, por si só, não deve ser considerado, em regra, uma atividade especialmente perigosa, que pela sua natureza ou meios utilizados, apresentem um risco elevado de causar danos a terceiros, pelo que, não recai num âmbito de uma responsabilidade objetiva, independente de culpa.

Qualquer condenação a título de responsabilidade civil por ato médico prestado no SNS, terá que ver cumpridos os requisitos da ilicitude e da culpa. Como sublinha o dito Acórdão, o conceito de ilicitude para efeitos do artigo 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro é amplo, considerando não só a violação de disposições ou princípios normativos, mas abrangendo também o desrespeito por regras de natureza técnica ou deveres objetivos de cuidado.

O Acórdão é claro ao afirmar que a existência de dano não pressupõe culpabilidade ou ilicitude. A responsabilidade decorrerá sempe da ilicitude, da violação de deveres jurídicos específicos, nomeadamente do incumprimento das leges artis, assumindo como elemento central a “diligência na atuação”, enquanto critério aferidor da culpa e da ilicitude.

Desta forma, nos termos dos artigos 9.º e 10.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, em conjugação com as regras gerais atinentes ao ónus da prova, caberia ao lesado o ónus de provar que os agentes do estabelecimento de saúde cometeram um ato ilícito, e sem essa demonstração, fica afastada a possibilidade de responsabilização médica.

Ao reiterar a exigência de prova por parte do lesado, o suprarreferido Acórdão acautela o exercício defensivo da medicina numa era de crescente complexidade técnica e humana da prática médica, sem deixar de incentivar a uma prestação de cuidados de saúde mais diligente, transparente e em linha com as melhores práticas por parte dos agentes médicos, reforçando a confiança da sociedade nos serviços públicos de saúde.

Please note, your browser is out of date.
For a good browsing experience we recommend using the latest version of Chrome, Firefox, Safari, Opera or Internet Explorer.